Não são raros os acontecimentos em que a distinção entre culpa e causa pode ser feita. Mas poucos são tão relevantes e dramáticos, como o caso do “apagão” no Amapá.
Extrapolando os danos no sistema elétrico, foram afetadas todas as áreas da sociedade: economia, saúde, segurança, meio ambiente, educação, lazer, política, bem como pessoas ficaram abaladas emocionalmente. E na sequência dos acontecimentos, iniciou-se uma verdadeira “caça às bruxas”.
Mas poucos se lembraram das buchas. Isso mesmo: buchas do transformador incendiado. Como engenheiro eletricista trabalhando há mais de 50 anos no setor elétrico, tomo conhecimento de ocorrências das mais diversas naturezas e abrangências, no Brasil e no mundo.
Mas a do Amapá vai ficar na história da engenharia elétrica brasileira por estar relacionada ao planejamento, operação, manutenção, logística, gestão de ativos e riscos, pandemia, economia, e outras tantas conexões que se queira fazer de tão devastador acontecimento.
Mas o ponto de falha fundamental, enfim, identificado e admitido foi numa das buchas de alta tensão do transformador que iniciou o incêndio. Inúmeros trabalhos disponíveis na internet tratam do assunto, e o público do canal é familiarizado com o tema.
Só vamos lembrar que o monitoramento e diagnóstico “on-line” de buchas capacitivas aterradas usadas em tensões acima de 50KV, é feito principalmente sobre a grandeza tangente de delta (fator de dissipação ou de perdas). É associada às perdas no isolamento e pode indicar o estado operativo da estrutura isolante ou da quantidade de umidade; um aumento continuo na tangente de delta é indicativo de deterioração do isolamento, que pode ou não estar acompanhado do aumento de descargas parciais internas.
Existe um trabalho do Cigré, de 2003, que demonstra que o monitoramento do sistema reduz em 60% as causas intempestivas de desligamentos. O setor vive uma mudança de paradigma, saindo do 3.0 para o tão falado 4.0. Nesse contexto nasceu a MANUTENÇÃO PRESCRITIVA, lastreada na inteligência artificial e machine learning. É um sistema que prescreve ou recomenda procedimentos, indica componentes que precisam ser trocados e até ordens de execução que são acompanhadas e gerenciadas.
É criado a partir de milhares ou até milhões de ocorrências e da extração de conhecimento de especialistas. Permite a redução de custos, aumento de disponibilidade e melhoria dos processos. Lamentável foi que inicialmente, inclusive com o apoio da mídia, se procurou culpados e não as causas do apagão do Amapá.
A Justiça tentou destituir diretorias da agência reguladora e de órgãos técnicos como o ONS; sem contar que até cabeça do ministro foi pedida. Ao se buscar culpados, o problema não é solucionado. Ao se identificar a causa pode-se buscar situações similares e dessa maneira evitar repetições de tão graves consequências.
Muitas buchas de transformadores de alta tensão que estão em operação no sistema elétrico nesse momento estão tendo suas características físicas iniciais, identificadas nos ensaios nas fábricas, em processo de deterioração. A busca de culpados não vai mostrar quais são. A identificação das causas sim. Um método simples e eficaz para a busca de causas é o Diagrama de Causa e Efeito, também chamado de Diagrama Espinha de Peixe.
Ele foi proposto pelo engenheiro Kaoru Ishikawa por isso algumas vezes chamado de Diagrama de Ishikawa. Foi disseminado na gestão pela qualidade total, o que devemos ao grande trabalho do Prof. Falconi. A(s) causa(s) de qualquer problema (ou até de um sucesso numa solução) pode(m) ser buscadas e encontradas em 6 (seis) áreas de consequências: Máquina, Mão de Obra, Método de trabalho, Meio Ambiente, Matéria Prima ou Medições (Diagrama 6M). Portanto o “apagão do Amapá” é um problema de engenharia (busca de causa) e não um problema jurídico (busca de culpa). Até porque não dá para processar a bucha que explodiu.