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Mesa redonda discute as buchas do sistema elétrico

Por conta de ocorrências comuns ou recorrentes com buchas, a Treetech, empresa especialista em gestão de ativos de subestações de energia elétrica, reuniu, no dia 12 de dezembro, profissionais do setor elétrico em uma mesa redonda virtual, para discutir o tema: Buchas: um inimigo (quase) oculto da confiabilidade em energia elétrica.

O evento teve participação de renomados engenheiros eletricistas, consultores e especialistas da área, como expositores, além de inúmeros participantes online do segmento.

Operação

O consultor em sistema de potência Ary D’Ajus abriu o trabalho, destacando que há um inimigo oculto no sistema e que a dúvida é saber onde os profissionais precisam ficar atentos. Ele lembrou que o sistema elétrico envolve planejamento, engenharia e a operação, e que se ateria apenas à parte da operação por causa do tempo disponível.

D’Ajus recordou que quando acontece um evento qualquer, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) instantaneamente reconhece o que falhou e a linha que saiu. A seguir, são geradas informações oficiosas sobre o equipamento ou um incêndio, por exemplo. Depois, é preparado um relatório de análise de falhas, que é encaminhado para o ONS.

“Se a repercussão for na rede de operação (básica ou complementar), este é o procedimento com o ONS, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o próprio Ministério das Minas e Energia (MME). A ocorrência é pós-falha”, disse ele.

A rede de supervisão observará todo o sistema. É um processo feito com agilidade de operação, mas no entender de D’Ajus, poderia ser mais rápido pela equipe de fiscalização e também de análise. “A melhoria poderia ser realizada no contexto”, afirmou. “O relatório de análise de perturbação tem um mantra: sempre o que agravou a causa do evento”. E citou alguns casos.

Com uma observação maior, é possível identificar “fontes ocultas” do sistema elétrico. A maior ocorrência é na subestação e, quando a causa é bem grave, sempre estão envolvidos transformadores; em muitas ocorrências, também as buchas são as causas. Quando o assunto é grave, como explosão ou incêndio, não dá para identificar onde começou o problema. “Colegas da área de estudo dizem que a bucha é um fusível do transformador”, citou.

O consultor recordou que, em muitos casos de baixa amplitude, podem ser causados por problemas na bucha quando elas entopem o transformador. “Tudo começa pela bucha. Esse problema é identificado em transformador e em manobras de subestação que podem provocar esse tipo de transitório”, resumiu.

O engenheiro afirmou ainda que nada melhor do que reviver a proteção, ideal que é aquela que desliga o equipamento antes de a falha ocorrer. “Estamos chegando a isso com o monitoramento”, observou e complementou dizendo que, em sua percepção, há vários inimigos da confiabilidade do setor elétrico que não são tão ocultos, e que se consegue identificar com certa precisão.

Evolução

O especialista em engenharia elétrica, segurança e mecânica, Carlos Gonzales, por sua vez, apontou que há uma visão diversificada nos problemas com buchas e sua interpretação estava ligada à manutenção de linha de frente e de diagnóstico de equipamentos. O profissional não coloca a bucha como o único problema e, para o engenheiro, há outros, como o equipamento também, mas tudo vem evoluindo com o tempo.

Segundo Gonzalez, há publicações técnicas que apontam uma taxa de falhas de bucha de até 70% nos transformadores e reatores e que é preciso controle e monitoramento dessas falhas. “A evolução tem a ver também com a evolução tecnológica nas matérias primas”, deduziu ele.

O especialista comentou que as distâncias tecnológicas estão sendo reduzidas, até pela concorrência de preço e a globalização de mercado de alta tensão. “Reconheço que os equipamentos mais antigos são mais robustos. Mas transformadores de 50 anos atrás tinham outro consumo. Houve uma grande redução de volume de óleo, cerca de três vezes menos que aqueles mais velhos”, analisou. O trabalho de investigação de falha, de acordo com Gonzalez, fica mais prejudicada nos novos modelos por causa da posição da bobina e outros detalhes.

Há mais aspectos que também analisou. Antes, conforme ele disse, o grande vilão era o chuveiro às 18 horas. Hoje, percebe-se que o pico de demanda se deslocou para depois do almoço às 14h por causa do uso do ar-condicionado. “E isso é muito importante para o sistema elétrico”, observou.

Anteriormente as fontes de energia no sistema, disse ele, era pelas hidroelétricas e hoje há geração fotovoltaica e em energia eólica, como no caso da região Nordeste. “O nível do sistema atualmente no país é de 500KV e isso pode afetar o sistema elétrico por questões transitórias desse sistema”, analisou. “No momento a dúvida é se falharam pelo sistema ou pelo próprio transformador. A transformação dos projetos gera problemas para os transformadores e também para as buchas”, completa.

Gonzalez adicionou ainda aspectos nos problemas dos transformadores e reatores por causa de componentes como o papel krakt e características de temperatura dele. “Os problemas de sobre-elevação do papel isolante pode gerar descarga para a periferia do papel da bucha”, avisa ele.

O participante da mesa entende que sempre haverá problemas com peças e componentes e eles irão falhar, então o grande desafio é fazer o monitoramento e retirar de operação antes da falha. “Já vi a situação em que a retirada de uma bucha pode ser a retirada de seis transformadores do sistema. Por isso é preciso ser bem analisada para o funcionamento do sistema”, aconselha.

Complexidade

Para o palestrante e autor Iony Patriota de Siqueira, especializado em na manutenção centrada na confiabilidade em ativos de alta e extra-alta tensão, a questão das buchas é complexa, porque é difícil alguém isoladamente ter uma visão completa do que envolve muitos detalhes, especialmente depois da ocorrência do desastre como o do Amapá. “A situação obriga a fazer reflexão às causas e à causa raiz. A bucha sempre é um ponto de atenção e neste caso ilustra a importância do equipamento”, explica.

Siqueira ressalta que o apagão do Amapá e o momento de transição do setor elétrico gera questões estruturais em alguns aspectos. O primeiro é o momento tecnológico que se está passando com a introdução das energias renováveis no setor elétrico. “Temos fatores de capacidade elevada e isso não foram previstos há 10 anos como acontece na região do Nordeste. Às vezes exportamos energia e outras temos que desativar. Isso tem custo de controlabilidade do sistema”, avalia. “A energia eólica tem volatilidade e variações que apresentam dificuldades que desestabilizam o sistema”.

O debatedor citou que grande parte da geração está fora do alcance do ONS e complica mais a controlabilidade do operador e gestão do sistema. Assim o problema exige soluções inéditas de engenharia para retornar a um nível aceitável e será um esforço conjunto de todos envolvidos.

Outro aspecto de controlabilidade é que o apagão reascendeu a questão do planejamento de critérios. Este blackout que se repete especialmente em regiões mais carentes mostra, a seu ver, a necessidade da revisão do planejamento, porque o apagão demonstrou que o sistema é insuficiente e há necessidade de revisão para atender a operação. “É preciso verificar a capacidade de recuperação após a falha”, defendeu.

Siqueira frisa que o apagão introduziu um tipo de falha ou desastre que é sua extensão como a falta de energia por 19 dias, o prejuízo de milhões de pessoas e toda a economia da região prejudicada. “O planejamento não atendeu a necessidade para se proteger do desastre e a preocupação de como garantir segurança”, constatou. “O apagão mostrou a falta de planejamento para o desastre no setor elétrico e por isso houve muita improvisação. Temos uma política, mas não temos planos de ação”.

O engenheiro advogou ainda iniciativas para resolver o problema com métodos mais modernos de probabilidade e as consequências da ocorrência, além da resiliência com planos de recuperação de desastres.

Pesquisa e conhecimento

Especialista em ensaios elétricos, comissionamento e engenharia de manutenção, Orlete Nogarolli iniciou sua fala realçando a questão da pesquisa e do conhecimento e como faz a diferença na confiabilidade dos equipamentos. Ele pontuou que hoje é possível ter muitos dados dos componentes dos transformadores que podem ser acessados e desses dados surgem muitas informações. “É importante trabalhar com esses dados e transformá-los em informação”, expôs.

Atualmente, números atuais são disponibilizados em brochuras pelo Cigré (comunidade global colaborativa para compartilhamento de experiências em sistemas de energia) e após dois anos qualquer pessoa pode acessar gratuitamente essas informações no que diz respeito aos transformadores. 

Nargarolli ilustrou que o Brasil é um país continental com temperaturas extremas no Sul e Nordeste e por isso a amostragem é bastante severa. “A malha é diversa com hidroelétricas e a agora a entrada das fontes renováveis”, constatou.

Mas lamentou que o Brasil ainda dispõe de poucos dados e as empresas têm restrições ou falta oportunidades para compartilhá-los e trabalhar sobre eles. “Atualmente, existem dados informais obtidos em contatos profissionais. É possível ter conhecimento sobre certos dados, mas eles não chegam como informação para fazer análise, porque não há detalhamento. São dados informais e não dá para fazer muita coisa porque não há como usá-los em conjunto”, interpreta.

O engenheiro revela que tem visto muitas falhas internas em transformadores e em buchas. “São inimigos ocultos de falhas recorrentes. Precisamos então formalizar os dados para elaborar um trabalho mais adequado com a criação de grupos de trabalho com funções específicas, com representatividade do setor elétrico”, opinou, frisando que há grupos de trabalhos atuando no momento na questão das buchas.

Nargarolli verificou que há rapidez na disponibilidade das informações, mas com normas tem sido mais difícil, mas há recomendações práticas de grupos de trabalho que agregam valor e têm que ser consideradas. “É preciso formar uma base de dados sobre ao número das buchas para avaliação e a análise de uma série de dados para ser trabalhada e transformar em informações”, diz ele. Depois, na sua ótica, poderiam ser transformados em uma brochura em forma de dados estatísticos ‘impessoais’ e enviados ao Cigre. “Haveria melhoria da a fabricação do ativo até o final com equipamentos mais robustos”, fundamentou.

O especialista descreve que os equipamentos estão sendo fabricados de acordo com normas preconizadas atualmente e o sistema está mais dinâmico com as energias renováveis como a eólica e fotovoltaicas. “E estão trazendo desafios tanto para quem produz equipamentos como para aqueles que usam”, prosseguiu.

Por esta razão, Nargarolli disse que é preciso investir em pesquisa e é preciso dados dos clientes para dar início aos trabalhos. Na sua visão, esse tipo de informação gera melhoria de materiais e desenvolvimento de novos produtos. “Mas há muitas coisas a serem melhoradas ainda e isso reflete na confiabilidade, disponibilidade dos ativos e qualidade dos serviços para a empresa da cadeia do setor elétrico”, ponderou.

Tecnologia

A tecnologia de monitoramento de bucha não é algo muito recente. Segundo a apresentação de Daniel Carrijo, analista de desempenho de buchas de transformadores, autotransformadores e reatores do Cigre Brasil, os primeiros debates aconteceram na década de 60 do século passado. Nos Anos 70, houve trabalhos mais práticos para verificar a viabilidade e dez anos depois ocorreu uma estagnação na tecnologia e não houve avanços significativos. Mas nos Anos 90, aconteceu um grande progresso a partir da miniaturização com o advento da eletrônica miniaturizada.

Segundo Carrijo, houve uma virada na filosofia na construção de ativos e surgiram projetos muito robustos para ser mais otimizados. “As margens diminuíram, bem como a extensão de vida do ativo”, sintetizou.

O especialista lembra que fatores convergiram em 2000 e a monitoração de buchas passou a ter avanços com a tecnologia. “No sistema elétrico era preciso ter um sistema mais observável para mexer nas partes certas e saídas no limite do tempo. Criou-se um ambiente perfeito para que a tecnologia evoluísse”, afirmou.

No sistema de monitoramento de bucha é preciso saber como ela está exatamente e há várias abordagens e metodologias com testes online e off-line, além de outras alternativas. “Muitas possibilidades têm consagrações no mercado como técnicas de referência. O importante é que o objetivo final seja alcançado”, ressaltou Carrijo.

Foi mencionado pelo engenheiro que o ponto principal é saber qual das técnicas têm se fortalecido no mercado. A técnica consagrada e mais consolidada por várias características é o da medição da corrente de fuga. Nesta questão é preciso ainda avaliar detalhes como custos, manutenção, robustez e o conceito de relevância diagnóstica.

“Um médico pode usar uma pilha de exames e retirar apenas dois exames para saber a relevância do dado. O fato é que dados em excesso são prejudiciais. É preciso verificar o que realmente interessa para testar a hipótese formulada”, explicou ele.

Carrijo expôs que é necessário avaliar a maturidade da tecnologia e se a própria é ou não madura. “Não existe tecnologia universal para todos os casos de uso e para todas as situações ou falhas”, advertiu. “A metodologia avança para determinadas áreas, mas não garante certezas. O importante é que a tecnologia permita atualização”, completou.

Sobre o tema se a tecnologia está ou não madura, o debatedor disse no evento que o engenheiro é o elo mais importante. “Ele precisa usar a tecnologia da melhor forma. O profissional é o agregador.  A tecnologia não se sobrepõe ao conhecimento do especialista e inúmeros detalhes do trabalho. A palavra final sempre é do especialista”, sentencia.

Hoje, conforme ele argumentou, a monitoração da bucha recebe dados e tem análise em tempo real com auxílio da tecnologia, mas só funciona bem com as melhores práticas. Existem ferramentas para auxiliar o profissional na tomada de decisão. “O engenheiro tem que ter preparo e empenho com o ativo como o médico e seu paciente”, comparou.

Harmonização

Observando a evolução da tecnologia muito rápida em sensoriamento e interligação computacional, Marcos Alves, pesquisador em projetos de pesquisa, desenvolvimento e Inovação e em tecnologias emergentes, expôs que tecnologias vêm sendo aplicadas há algum tempo como a internet das coisas. “Mais recentemente com a ciência de dados há novas tecnologias tais como o machine learning, big data e outras. Temos trabalhado na empresa com vários projetos de pesquisa e desenvolvimento, usando técnicas mais ligadas à inteligência artificial e inteligência de dados”, relatou.

O engenheiro, porém, alertou que é preciso cuidado em não desprezar o conhecimento acumulado das pessoas. “É preciso quando se desenvolve a tecnologia contar com especialistas para tutelar o aprendizado da máquina.  O especialista é essencial para ensinar a máquina. Ela não é mais esperta que nós”, observou. “Alguns especialistas trabalham conosco na tarefa de ensinar as máquinas de forma correta”.

Alves ressaltou que é preciso saber trabalhar ainda com muitas informações que agora chegam dos censores para gerar os resultados finais dos equipamentos, entre os quais as buchas. “O desenvolvimento com sucesso de ferramentas podem ajudar na confiabilidade do equipamento, usando técnicas de data science e IoT. Precisamos empregar as tecnologias mais recentes para nos auxiliar, principalmente a trabalhar com grande volume de dados”, finalizou.

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