Atípico, 2020 foi marcado por fortes oscilações no decorrer dos meses devido aos impactos da pandemia de Covid-19, mas, ainda assim, os principais indicadores da indústria eletroeletrônica encerraram o ano próximos da estabilidade.
A indústria iniciou 2020 com expectativas favoráveis, apontando resultados positivos no 1º trimestre. Porém, já em fevereiro, antes mesmo de o Coronavírus chegar ao País, a produção do setor, especialmente da área eletrônica, já começou a sentir os efeitos devido às dificuldades de abastecimento de componentes da China, onde o fechamento da economia já havia começado.
Em meados de março, a pandemia chegou ao Brasil, causando impactos expressivos na atividade do setor, principalmente nos meses de abril e maio.
A partir de junho, os principais indicadores da indústria eletroeletrônica começaram a sinalizar o início da recuperação da atividade, registrando resultados mais favoráveis nos terceiro e quarto trimestres do ano.
Neste cenário, o faturamento da indústria eletroeletrônica encerrou o ano de 2020 em R$173,4 bilhões, conforme informações divulgadas pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) em coletiva de imprensa online, realizada no dia 10 de dezembro.
Apesar do crescimento nominal de 13% na comparação com 2019 (R$153 bilhões), o aumento real foi de apenas 1%, uma vez que a inflação do setor, segundo o Índice de Preços ao Produtor (IPP), fechou o ano em 12%. Esse crescimento real de 1% só foi possível devido à retomada da atividade a partir do terceiro trimestre de 2020.
O presidente do Conselho da Abinee, Irineu Govêa afirma que apesar das dificuldades e dos problemas ocorridos a partir de março, todos os associados trabalharam intensamente no sentido de corresponder aos anseios da população, especialmente em relação ao trabalho on-line, que acabou se disseminando no País.
“Nós fornecemos equipamentos, infraestrutura, toda a base possível para que tudo isso desse certo, e acabou realmente dando, tanto é que muitas empresas hoje pensam em trabalho virtual. Ao longo do ano, tivemos uma recuperação interna do nosso setor, juntamente com a recuperação da economia”, celebra.
A produção industrial de bens eletroeletrônicos apresentou queda de 2% em 2020 em relação ao ano anterior. Já a utilização da capacidade instalada caiu de 78% para 75%. A estabilidade no faturamento e ligeira queda produção do setor em 2020 repete desempenho semelhante ao de 2019, quando também não houve crescimento nestes indicadores.
O presidente executivo da Abinee, Humberto Barbato, observa que até maio, todos os indicadores apontavam para um cenário drástico em 2020 em razão da pandemia, mas o dinamismo e a resiliência do setor reverteram a curva descendente dos indicadores. “As empresas conseguiram fazer uma leitura rápida do atual cenário, adequando processos e linhas de produção para a nova realidade”, afirma.
Segundo Barbato, no cenário de restrição por conta do isolamento social, os bens e serviços de tecnologia disponibilizados pelo setor têm sido fundamental para conectar as pessoas, fazer girar a economia, manter as empresas operantes, possibilitar entretenimento, acesso à educação, atender a necessidades de abastecimento, além de otimizar e facilitar o acesso dos consumidores a serviços essenciais.
Irineu Govêa, observa que, mesmo em uma situação tão extrema, o setor eletroeletrônico tem dado mostras de que consegue resistir às condições mais adversas, dando continuidade ao trabalho e mantendo a produção em suas fábricas, adaptando-se à nova realidade, a fim de trazer proteção aos trabalhadores. “Programas como o auxílio emergencial, a manutenção do emprego e da renda e outras iniciativas permitiram minimizar o impacto da crise para os que não dispõem de condições econômicas para se manter na pandemia”, justifica.
Mesmo em um ano de pandemia, a indústria eletroeletrônica conseguiu encerrar 2020 com um incremento de 4% em seu nível de emprego, que passou de 234 mil em dezembro de 2019 para 243 mil pessoas no final de 2020.
Balança comercial
As exportações não esboçaram reação no decorrer do ano, encerrando com queda de 21% em relação a 2019, somando US$4,4 bilhões. Com exceção da área de Geração, Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica (GTD) – que cresceu 18% –, todas as demais recuaram as vendas externas. O incremento do setor de GTD contou com a elevação de 171% nas exportações de grupos eletrogêneos. As demais áreas apontaram queda significativa, com retração de 13% na área de Utilidades domésticas até 51% como a área de Automação industrial.
Notou-se também que a retração nas exportações ocorreu para quase todas as regiões, com exceção dos demais países da Ásia exceto a China (+12%). Porém, é importante destacar que a participação destes países no total das exportações de bens do setor não foi muito expressiva ao comparar com as demais regiões, atingindo 6%.
Os principais destinos das exportações do setor continuaram sendo os Estados Unidos e Aladi, que juntos representaram 70% do total.
As importações se retraíram em 10%, refletindo o baixo nível de atividade da indústria. Nesse caso, todas as áreas recuaram. A área de Material Elétrico de Instalação teve queda expressiva, com -16%. “No caso dos produtos mais importados, percebemos apenas crescimento em máquinas para processamento de dados, com 9%. Destacam-se os módulos fotovoltaicos, que ficaram estáveis com relação a 2019, atingindo US$1 bilhão”, salienta Cristina Keller, analista do Departamento de Economia da Abinee.
Outro fator que também inibiu o desempenho das importações foi a desvalorização cambial. Vale lembrar que o dólar de 2019 estava sendo cotado a R$3,95 e, em 2020, atingiu R$5,17 (média anual).
Com isso, o déficit da balança comercial atingirá US$24,5 bilhões, resultado 8% inferior ao apresentado em 2019 (US$26,5 bilhões).
Desempenho por áreas
Mesmo com as fortes retrações verificadas no 2º trimestre de 2020 decorrentes da quarentena em função da pandemia da Covid-19, a maior parte das demais áreas do setor apontaram quedas modestas no faturamento real.
A indústria eletroeletrônica conseguiu retomar a atividade a partir do 3º trimestre deste ano, encerrando 2020 praticamente em nível estável. “Ao observarmos os desempenhos pelas áreas, verificamos que quase todas apresentaram variações próximas da estabilidade, com exceção da área de Informática, que cresceu 17%, somando R$34,8 bilhões”, relata Cristina.
O faturamento real da área de GTD apresentou estabilidade em 2020. No caso da Geração, destacou-se a expansão de investimentos para atender o mercado livre. Na Transmissão, o faturamento foi resultado dos negócios já em andamento, decorrentes dos leilões dos últimos anos, especialmente, de 2017 para cá. E na Distribuição, observou-se aumento dos investimentos das distribuidoras, com o objetivo de garantir o fornecimento de energia durante a pandemia.
De acordo com o diretor da área de GTD, Marcelo Machado, a evolução observada está muito ligada à essencialidade do setor na época de pandemia. “Nós observamos que, em geral, todos os players do mercado, conectados com a infraestrutura do setor elétrico, estiveram muito preocupados para que não houvesse nenhum problema com a operação do sistema. E aí, a importância de se manter os investimentos. Então, eu entendo que boa parte daquilo que era planejamento de investimentos no sistema foi feito; em alguns aspectos, até houve um incremento para poder garantir a performance do sistema”, salienta.
Machado explica também que no que se refere ao segmento de energias renováveis, o que houve no ano de 2020 foi um crescimento do setor em função dos projetos já existentes. Embora alguns leilões tenham sido cancelados, há uma perspectiva de retomada e muitas das coisas que já estavam dentro do planejamento do setor, a fruto até de leilões anteriores, se manteve; então, as implantações aconteceram.
“A expectativa positiva com relação a 2021 para o setor como um todo e, em particular, ao setor de energias renováveis – e aí eu incluo também a questão de geração distribuída – está muito conectada em relação à aderência dos consumidores de energia elétrica em estarem buscando outras fontes de energia também, além da necessidade de sustentação da infraestrutura do setor, incluindo também a realização dos leilões”, enfatiza.
Ademais, recentemente foi publicado no Diário Oficial da União, o planejamento dos leilões de compra de energia, o que dá uma sustentação de perspectiva do setor. “Nós tivemos o leilão de transmissão que ocorreu no dia 17 de dezembro, com 11 lotes de linhas e subestações. Existe uma conexão entre a energia renovável e a sustentação desses leilões, mas também uma expectativa de crescimento ainda contínuo com relação à aplicação das renováveis, principalmente, da energia fotovoltaica”, conta.
O diretor ainda explica que as expectativas otimistas estão muito conectadas com a questão da agenda positiva regulatória de investimento e com a expectativa de evolução contínua das renováveis em função dos leilões, mas também de continuidade de investimentos nesse setor pelo segmento privado.
Já o faturamento real da área de Material Elétrico de Instalação caiu 3%. Neste caso, as vendas destes itens não sofreram oscilações tão bruscas no decorrer do ano, visto que as lojas de materiais de construção foram consideradas essenciais e continuaram abertas mesmo durante o período de quarentena.
Esse segmento contou também com o aumento das pequenas obras e reformas, conhecidas como “formiguinhas” durante o período de isolamento social. “Acredito que tenha sido natural a pequena queda apresentada por conta de uma retração de consumo e até em função das atividades econômicas e da questão de mobilidade, o que acabou afetando o segmento de material elétrico; porém, dentro de uma visão mais macro do setor, o balanço é que é positivo em função da manutenção do investimento”, esclarece Machado.
Os desempenhos das empresas fabricantes de bens de Automação Industrial (-5%) e Equipamentos Industriais (-2%), variaram de acordo com os tamanhos dos projetos e com os segmentos de atuação.
Os projetos grandes e de ciclo longo continuaram em andamento mesmo durante o pior momento da pandemia. Os efeitos mais nocivos foram verificados nos projetos menores e de ciclo curto, principalmente no segundo trimestre deste ano, porém já apresentando recuperação a partir do terceiro trimestre.
A área de logística reversa de eletroeletrônicos teria o sistema expandido em 2020 se não fosse a chegada da pandemia. Segundo Ademir Brescansin, gerente executivo na Green Eletron, até então, havia diversos pontos no estado de São Paulo e a pretensão de estender as ações a outros estados também. “Nós tivemos uma redução enorme na questão de coleta de eletroeletrônicos, principalmente no primeiro semestre, até porque todos os nossos pontos de coletas ficam em lojas do varejo, shopping centers ou praças municipais, que foram locais que permaneceram fechados durante um bom tempo”, relembra.
Ainda de acordo com Brescansin, com a reabertura desses locais, houve uma grande retomada nessa coleta, em que foram feitas algumas ações pontuais, como drive-thru na cidade de Santo André (SP), com mais de oito toneladas de eletroeletrônicos e pilhas que foram coletadas em dois dias. “Também fizemos uma ação junto com a Virada Sustentável, com pontos de coleta em estações do metrô durante duas semanas, que teve uma ótima aderência da população”, destaca.
Independentemente da dificuldade de coleta e de a população levar os produtos até os pontos, houve um aumento bastante significativo da quantidade de pontos instalados, até como parte da meta a partir de 2021, que é estar em mais de 100 cidades e possuir cerca de 800 pontos instalados.
“Em 2020, fechamos diversas parcerias com novas lojas do varejo, shopping centers; então, estamos ampliando e já instalando esses pontos para começarmos o ano de 2021 com tudo”, afirma Brescansin. E ele acrescenta: “Fizemos também um trabalho muito grande de comunicação, com o lançamento do movimento “Eletrônico não é lixo”, para conscientizar o consumidor a descartá-lo. Com relação a pilhas e baterias, hoje, nós já temos mais de quatro mil pontos instalados em todo o Brasil e, para 2021, pretendemos ter outras parcerias estratégicas para aumentar ainda mais essa capilaridade”, revela.
Perspectivas para 2021
Os indicadores econômicos, conforme Boletim Focus do Banco Central, deverão ser favoráveis, com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,5%, inflação em torno de 3,3% ao ano e taxa Selic no final do período de 3% ao ano. Com a melhora da economia, o setor eletroeletrônico poderá mostrar um crescimento mais robusto em 2021.
Os empresários do setor têm expectativas animadoras. A mais recente Sondagem realizada com os associados da Abinee indicou que 75% das empresas projetam crescimento nas vendas/encomendas; 22%, estabilidade e apenas 3%, queda.
“Em princípio, eu nem esperava tamanha confiança por parte do empresário industrial. Quando vejo que 75% das empresas esperam crescimento, fico extremamente animado e acredito também que isso ocorra em função de que as vacinas estão começando a aparecer, ou seja, todos nós estamos confiantes de que no próximo primeiro trimestre do ano, comecemos a restabelecer a nossa normalidade”, prevê Barbato.
Também o último Índice de Confiança do Setor Eletroeletrônico (ICEI) divulgado pela Abinee, em novembro, atingiu 62,9 pontos. Acima de 50 pontos, o ICEI indica confiança do empresário. “Estamos encerrando 2020 com um Índice de Confiança positivo e superior ao do ano passado”, observa Barbato. Em novembro de 2019, o ICEI havia alcançado 61 pontos.
Considerando a projeção de crescimento do PIB de 3,5% e inflação em torno de 3,3% ao ano em 2021, o setor eletroeletrônico espera um crescimento nominal de 12% e real (descontada a inflação) de 7% no faturamento, que deve alcançar R$194 bilhões. A projeção é que o setor de GTD cresça 8% e o setor de Material Elétrico de Instalação, 16%.
A Abinee também projeta elevação de 6% na produção e aumento de 3% no nível de emprego, que deve passar de 243 mil para 249,5 mil trabalhadores. As exportações devem crescer 7% (US$4,7 bilhões) e as importações, 10% (US$31,6 bilhões). No entanto, é importante destacar que mesmo com as perspectivas favoráveis para 2021, os empresários continuam cautelosos.
Apesar das incertezas quanto ao curso da pandemia, existe muita expectativa para o início da aplicação da vacina, esperada para o início de 2021 e que seja disponível para grande parte da população. “Esse ano foi de muito aprendizado. Todos nós conhecíamos essas ferramentas que estão disponíveis; entretanto, não éramos forçados a aprender a utilizá-las, nem tampouco a fazer uso, e acredito que isso tenha feito um bem também, de uma certa forma, a todas as empresas, pois houve uma redução considerável de custos. A cultura de trabalho também foi modificada, e com isso, evidentemente, esperamos que, de igual modo, a produtividade no Brasil possa crescer a partir dessas novas ferramentas que estão sendo utilizadas. Espero que 2021 seja, pelo menos, um ano mais alegre para todos nós”, estima Barbato.