A construção de um marco legal para a geração distribuída no Brasil, atualmente em debate no Congresso Nacional por meio de projetos de lei, como o PL 5828/2019, de autoria do deputado federal Silas Câmara e com atual relatoria do deputado federal Lafayette de Andrada, é o melhor caminho para afastar o risco de retrocesso à energia solar e demais fontes renováveis utilizadas para a geração distribuída de energia elétrica em telhados, fachadas e pequenos terrenos no País.
A afirmação é do presidente-executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia. Segundo o dirigente, a criação de um marco legal para a geração distribuída estava prevista para ter ocorrido em 2020 e precisa ser tratada como prioridade no cenário atual. “Trata-se de uma demanda urgente da sociedade brasileira, especialmente diante deste cenário de duplo desafio global: socioeconômico, por conta da pandemia de COVID-19, e também ambiental, por conta do aquecimento global e das mudanças climáticas”, destaca.
“O marco legal deve valorar corretamente os benefícios que a geração distribuída agrega para toda a sociedade, tanto nas esferas social, econômica e ambiental quanto no próprio setor elétrico”, aponta.
No caso substitutivo do PL 5828/2019, apresentado recentemente, parte destes atributos foi contemplada, o que contribui para uma solução de longo prazo ao tema, em benefício da sociedade. “No entanto, há espaço para melhorias, motivo pelo qual a Absolar trabalha em aprimoramentos ao texto, por meio de emenda parlamentar”, acrescenta Sauaia.
Apesar do avanço, a entidade alerta para o risco de retrocessos e insegurança jurídica na geração distribuída renovável no país. Há ameaças recorrentes de grandes grupos econômicos, como algumas distribuidoras de energia, que trabalham nos bastidores do Congresso Nacional para frear a geração distribuída. Estes grupos de interesse tentam conter o avanço da modalidade para proteger as receitas e os lucros de monopólios que faturam os brasileiros pela energia elétrica consumida.
“O discurso destes grupos é baseado em uma análise parcial e incompleta sobre a geração distribuída, que deliberadamente deixa de fora das suas contas os benefícios trazidos pela geração própria renovável aos consumidores e à sociedade brasileira. Ao olhar para apenas uma face da moeda, você não está sendo equilibrado nem justo e ainda chega a conclusões equivocadas sobre o papel e a contribuição da geração distribuída ao Brasil”, comenta.
Para amadurecer o debate, a Absolar apresentou uma análise a partir da contabilização dos diversos atributos da geração distribuída solar fotovoltaica. “Quando olhamos para os dois lados da moeda e contabilizamos os benefícios, que são muito maiores que quaisquer custos, a conclusão é exatamente o oposto do que estes grandes grupos defendem: a geração distribuída trará mais de R$13,3 bilhões em benefícios líquidos para todos os consumidores do setor elétrico até 2035, já descontados todos os custos”, explica o presidente executivo da entidade.
“Como resultado, ela diminui os gastos mesmo daqueles consumidores que ainda não investiram na tecnologia, em um claro exemplo de ganha-ganha. Dentre os seus benefícios estão a sua forte contribuição para a geração de emprego e renda, atração de investimentos, aumento da arrecadação pública, diversificação da matriz elétrica, economia de água dos reservatórios das hidrelétricas, redução do uso de termelétricas caras e poluentes, postergação de investimentos em novas usinas de geração, redes de transmissão e infraestrutura de distribuição, redução de custos de manutenção e perdas elétricas de transmissão e distribuição, melhorando a segurança de suprimento e a operação do sistema elétrico para todos”, completa Sauaia.
O que propõe o substitutivo do Projeto de Lei nº 5829/2019
O substitutivo apresentado pelo deputado Lafayette de Andrada propõe o pagamento gradual, pelos consumidores com geração distribuída, pelo uso da infraestrutura elétrica, por meio da chamada TUSD fio B (Tarifa de Uso de Sistema de Distribuição) das distribuidoras e concessionárias. Adicionalmente, estabelece uma transição de dez anos para a mudança do regime em relação ao modelo atual, em linha com as diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
As mudanças passariam a vigorar após 12 meses da publicação da Lei e garantem a manutenção das regras atuais aos consumidores pioneiros, trazendo mais segurança jurídica e regulatória aos consumidores quem geram a própria energia elétrica renovável.
Para os sistemas de geração junto à carga (por exemplo, em telhados e fachadas de edificações), de geração compartilhada (usinas que produzem créditos de energia elétrica aos consumidores), EMUC (condomínios), autoconsumo até 200 kW e as fontes renováveis despacháveis terão cronograma gradual de pagamento da TUSD Fio B que sobe de 0% em 2022 até 100% em 2033.
A Absolar, no entanto, identificou pontos de melhorias no texto e o deputado federal Evandro Roman propôs e apresentou uma emenda que prevê um gatilho para a mudança da regra a partir do atingimento de uma participação da geração distribuída de 10% no suprimento elétrico de cada distribuidora.
Também sugere uma redução pela metade da renumeração pelo uso da infraestrutura elétrica em comparação ao texto original do substitutivo, já que tais consumidores usam, em média, metade da rede em comparação a um consumidor sem geração distribuída.
“Dentro da polêmica criada em torno do marco legal, vale lembrar, porém, que a história recente nos mostra que as novas tecnologias tendem a atrair resistências de grupos tradicionais, interessados na manutenção do status quo e na preservação dos interesses econômicos de grandes corporações e monopólios dominantes. Observamos esta mesma reação em outros setores, como quando tivemos a vinda do telefone celular, do WiFi, de novos modelos de negócio para transporte de pessoas e mercadorias, de novos modelos de negócio para assistir séries e filmes pela internet e assim por diante”, conclui Bárbara Rubim, vice-presidente de geração distribuída da Absolar.