Em 2012, uma situação inédita possibilitou que qualquer consumidor de energia elétrica no Brasil pudesse gerar a sua própria eletricidade. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) publicou a Revisão da Resolução Normativa (REN) nº 482/2012, que regulamentou a Geração Distribuída (GD) e estabeleceu o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) com medição líquida, aplicável a unidades consumidoras em todo o País com micro ou minigeração distribuída. A resolução permite a conexão de geradores de até 5MW na rede de distribuição, a partir de fontes renováveis de energia ou cogeração qualificada (MME/EPE, 2018).
Como os aspectos técnicos já haviam sido aprimorados em 2015, o enfoque da nova revisão, que passaria a vigorar em 2020, é o aspecto econômico e a forma de compensação de energia. Em 2018, uma proposição de revisão criou alternativas (da alternativa 0 a alternativa 5) para o SCEE, que passaria a faturar, sobre toda a energia consumida da rede, progressiva e acumuladamente, diferentes componentes tarifárias.
As alternativas citadas remuneram as empresas distribuidoras de energia elétrica caso o excedente de geração seja injetado na rede elétrica. Os prossumidores (consumidores-geradores com GD) pagariam pelo uso da rede, porque ela passa a ter mais uma função para os sistemas conectados à rede: operar como uma espécie de “bateria” ou “sistema de armazenamento” virtual.
Na prática, 99% da GD é composta por micro e minigeradores solares fotovoltaicos em algumas modalidades. Entre as mais usuais estão: (i) autoconsumo – geração na própria unidade consumidora – (86%) e (ii) autoconsumo remoto (13%).
No relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR), publicado pela Aneel em 2018, simulou-se manter a alternativa 0 (regra atual) por 10 anos para instalações novas até que GD local (geração no local do consumo) atingisse 3,365GW. Depois deste gatilho de potência, as novas instalações passariam a compensar diretamente pela alternativa 1. As instalações existentes permaneceriam na alternativa 0 por 25 anos, tempo útil estimado de geração fotovoltaica, garantindo os incentivos da regra para os primeiros adotantes da GD.
Para as micro e minigerações com compensação remota (geração afastada do consumo) ou simplesmente GD remota, a análise sugeriu que o equilíbrio econômico seria desfeito em poucos anos e propôs dois gatilhos: 1,25GW e 2,13GW, esperados inicialmente para 2022 e 2025, respectivamente. O primeiro gatilho mudaria a compensação para a alternativa 1 e o segundo gatilho para a alternativa 3.
O mercado reagiu à sugestão do relatório de AIR, principalmente pela adoção de gatilhos que representam baixa penetração da GD no sistema elétrico. A maioria das reações criticou as regras para a GD remota que, em algumas regiões, teriam redução significativa da sua Taxa Interna de Retorno (TIR), inviabilizando muitos projetos. Na GD local, embora também exista redução da TIR, os prossumidores estariam menos sensíveis à essa redução e o período de retorno, ou payback, não aumentaria demasiadamente.
A revisão da resolução estava prevista desde 2015 e, com o prazo se esgotando, a Aneel abriu outra consulta pública e publicou a sua proposta de revisão no dia 15 de outubro de 2019. De acordo com o texto publicado pela Agência:
“Os consumidores que realizarem o pedido da instalação de geração distribuída após a publicação da norma (prevista para 2020), passam a pagar o custo da rede (TUSD Fio B e Fio A). Em 2030, ou quando atingido uma quantidade de GD pré-determinada em cada distribuidora, esses consumidores passam a compensar a componente de energia da Tarifa de Energia (TE), e pagam além dos custos de rede, os encargos” (ANEEL, 2019).
A proposta da Agência é diferente do relatório de AIR em prazos e gatilhos. Na GD local, as instalações existentes continuariam na regra atual (alternativa 0), mas o período de transição seria menor: até 31 de dezembro de 2030. A partir daí, a mudança na regra de compensação saltaria diretamente para a alternativa 5. Para novas instalações, a partir da publicação da resolução revisada, a alternativa 2 passaria a valer imediatamente e o salto para a alternativa 5 seria a partir de um novo gatilho de 5,9GW, ou 2030, o que ocorrer primeiro.
Com esta proposta, o período de transição da alternativa 2 para a 5 será, no máximo, de 10 anos para as novas instalações, caso a mudança ocorra em 2021. Para as instalações existentes, a garantia da regra atual por 25 anos foi frustrada e será, no máximo, de 18 anos (considerando a instalação mais antiga conectada em 2012).
Por um lado, a proposta é mais desfavorável para a GD remota, porque não há período de transição ou gatilho; por outro, as instalações existentes permaneceriam na regra atual até final de 2030. As novas instalações passariam a compensar diretamente pela alternativa 5 e o investimento deixa de ser atrativo em muitos projetos. Segundo os cálculos da Aneel, o payback descontado médio para entrantes em 2020 seria de 26 anos tanto no cenário mais provável quanto no máximo (CanalEnergia, 2019).
Considerações Finais
A sugestão de revisão do relatório de AIR de 2018 gerou críticas, mas mostrou-se viável para o crescimento da GD, principalmente, a local. A regra atual valeria por 25 anos para as instalações existentes, oferecendo segurança regulatória para os primeiros investidores, e transição de 10 anos para as instalações pós-revisão, embora os gatilhos muito baixos – já superados – precisassem ser rediscutidos oportunamente.
A proposta da Aneel de 2019, entretanto, limita a mudança definitiva da regra até 2030, inclusive para instalações existentes. O gatilho de 5,9GW para a GD local será, provavelmente, alcançado antes de 2030; a potência instalada para geração na própria unidade consumidora, em dezembro de 2020, disponível no website da Agência, é aproximadamente 3,6GW, metade dos quais foram instalados somente em 2020.
Desde o final de 2019, o processo de revisão da resolução ficou em espera devido à sua repercussão. Há indícios de que a revisão ocorrerá nas primeiras semanas ou meses de 2021 e, ainda que as regras para a revisão da REN nº 482/2012 não sejam completamente conhecidas agora, é importante que o equilíbrio da mudança que virá, preserve o investimento efetuado por pessoas e empresas na GD com o incentivo da atual regra, ao mesmo tempo que deve assegurar o desenvolvimento sustentável da GD no setor elétrico.
Referências
ANEEL. (2012). Resolução Normativa n° 482. Fonte: www2.aneel.gov.br/cedoc/ren2012482.pdf
ANEEL. (2015). Resolução Normativa n° 687. Fonte: http://www.aneel.gov.br/cedoc/ren2015687.pdf
ANEEL. (2018). Relatório de Análise de Impacto Regulatório nº 0004/2018. Acesso em 17 de maio de 2020, disponível em https://www.aneel.gov.br/impacto-regulatorio
ANEEL. (2019). Entenda melhor o que a ANEEL está propondo para o futuro da GD. Acesso em 17 de outubro de 2019, disponível em https://www.aneel.gov.br/sala-de-imprensa-exibicao-2/-/asset_publisher/zXQREz8EVlZ6/content/entenda-melhor-o-que-a-aneel-esta-propondo-para-o-futuro-da-gd/656877?inheritRedirect=false
ANEEL. (2019). Revisão das regras de geração distribuída entra em consulta pública. Acesso em 21 de dezembro de 2020, disponível em https://www.aneel.gov.br/sala-de-imprensa-exibicao/-/asset_publisher/XGPXSqdMFHrE/content/revisao-das-regras-de-geracao-distribuida-entra-em-consulta-publica/656877
ANEEL. (2020). Geração Distribuída. Acesso em 21 de dezembro de 2020, disponível em http://www2.aneel.gov.br/scg/gd/GD_Fonte.asp
ANEEL. (2020). Sistema de Informações de Geração da ANEEL – SIGA. Acesso em 21 de dezembro de 2020, disponível em https://www.aneel.gov.br/siga
CanalEnergia. (2019). GD remota pode ver atratividade reduzida em 2020. Acesso em 17 de outubro de 2019, disponível em https://canalenergia.com.br/noticias/53115332/gd-remota-pode-ver-atratividade-reduzida-em-2020
MME/EPE. (2018). Plano Decenal de Expansão de Energia 2027.